Por Associação Aguayo e Fundação InternetBolivia.org 

Como a digitalização afeta as comunidades rurais na Bolívia e seus direitos? Que necessidades têm os bolivianos que vivem em municípios de médio e pequeno porte em relação à digitalização e ao exercício de seus direitos? Os debates globais sobre políticas digitais estão presentes nas realidades locais? Como os municípios rurais da Bolívia podem ser apoiados para serem incluídos nesses debates?

Essas perguntas foram os gatilhos para chegar a lugares como Coroico, município a três horas da sede do governo boliviano; Ayo Ayo, uma cidade no planalto dos Andes, e outros lugares remotos. Todos eles compartilham problemas globais, como processos de extração de dados pessoais, fraudes cibernéticas e violência digital, mas, diferentemente dos centros urbanos e países do norte, não são levados em consideração na discussão global sobre digitalização.

Desde 2020, da Fundação InternetBolivia.org e da Associação Aguayo assumimos o desafio de levar os debates sobre acesso à Internet e proteção de dados pessoais a municípios distantes dos centros urbanos em um duplo esforço: indo do global à Bolívia e do urbano para rural.

O contexto de quarentena pelo COVID-19 trouxe o desafio da digitalização para mais lugares e surpreendeu municípios sem estratégias, regulamentações, debate público ou ferramentas para enfrentá-lo. Isso fez com que as populações desses territórios aumentassem suas vulnerabilidades ao usar a Internet.

Não queríamos que essa jornada fosse de qualquer forma. Decidimos que deveria ser local, feminista e intercultural. Queríamos que fosse com vozes diversas. Assim, incluímos as mulheres como atores fundamentais nesses processos, federações de produtores e jovens.

Nesse caminho, nos deparamos com dois projetos: o primeiro chamado: “Marcos legislativos de direitos digitais multiculturais para comunidades indígenas e municípios na Bolívia: análise comparativa e incidência jurídica”, em que foi feito um diagnóstico sobre acesso à Internet e proteção de dados pessoais em cinco municípios da Bolívia e uma Região Autônoma Indígena (Charagua Iyambae).

Com base nisso, foram elaborados dois modelos de leis municipais:

  • Lei de inclusão digital, para que os municípios possam projetar não apenas soluções de acesso à Internet, mas também programas de alfabetização digital, que até agora não eram assumidos por essas entidades.
  • Lei sobre a proteção de dados pessoais, para que os municípios garantam esse direito nos procedimentos que administram. Embora não exista uma lei nacional, não é um impedimento para que os municípios assumam esse papel.

Da mesma forma, foram implementadas campanhas de comunicação e capacitação em três municípios: Coroico, Copacabana e Villamontes.

Neste processo tivemos uma primeira aproximação com a Prefeitura Municipal de Coroico, sua Câmara Municipal e atores sociais que influenciam as políticas locais. Por quê? Porque um dos nossos objetivos é a elaboração de leis que garantam e protejam os direitos digitais dos cidadãos. Dessa forma, gerou-se vontade política para deliberar sobre uma Lei Municipal de Digitalização e Proteção de Dados Pessoais em Coroico, que, se aprovada, seria a primeira do gênero na Bolívia, e até na América Latina e no mundo. Neste link você encontrará os trabalhos realizados até o momento.

Nosso trabalho não parou por aí, e em 2021 iniciamos o segundo projeto, “Mulheres pelos direitos digitais e tecnologias na Bolívia” com o objetivo de fortalecer a capacidade de incidência das mulheres nas políticas públicas de direitos digitais.

Após um processo de capacitação voltado para as mulheres de base, elas desenharam propostas de políticas públicas com impacto em seu contexto direto e a construção coletiva de um decálogo no qual expressaram suas preocupações sobre as violações de direitos digitais que vivenciam em seu cotidiano. Aqui poderão conhecer as sete propostas de bolsas das setenta recebidas cujos objetivos são influenciar seus contextos diretos em busca de fortalecer seus direitos digitais e as vozes das mulheres que trabalharam ao longo do projeto.

Nas várias visitas aos municípios, naturalmente um grupo de jovens, que já trabalhavam com a Associação Aguayo em artivismo e comunicação de massa em outros projetos, começou a nos acompanhar. A arte é um canal poderoso para transmitir mensagens de mudança social e alcançar pessoas que não são possíveis das formas tradicionais.

Era hora de ser criativo! Apoiamos a produção de uma peça do grupo Arte Coroico formado por adolescentes e jovens de Coroico sobre sua realidade em direitos digitais, os riscos de navegar na Internet sem informação, o que a educação virtual significou na pandemia e a importância de cuidar de Informações pessoais. Tão importante foi o impacto deste trabalho que se tornou o evento cultural mais importante do primeiro semestre de 2022 no município, eles o levaram a várias comunidades e à cidade de La Paz em diferentes eventos.

Os jovens de Coroico também se entusiasmam com o programa semanal da rádio local, que tem grande alcance na região com entrevistas, jingles e spots sobre violência digital e proteção de dados pessoais. Tanto para a peça quanto para o rádio, fizemos um trabalho muito importante de fortalecimento das capacidades para que tivessem insumos para realizar ambas as propostas.

Ao longo deste processo, abriram-se portas com o Presidente da Câmara de Coroico, os vereadores, as federações de produtores e produtoras onde pudemos semear as sementes do debate sobre os direitos digitais que queremos que possam colher e replicar em comunidades vizinhas. Agora vários atores estão prontos para falar em espaços nacionais e locais.

Os direitos humanos em ambientes digitais são uma necessidade de todas as pessoas, inclusive aquelas que vivem em municípios rurais. É preciso integrar visões, territorialidades, sentimentos e saberes locais em debates nacionais e globais que nem sempre levam em conta essa diversidade.