Videovigilância da América Central: aprendizados sobre videovigilância pública para outros países da região
Por IPANDETEC
“Se não for pelo seu projeto, eu não sei”. Esta foi a afirmação de um dos participantes do projeto de Videovigilância da América Central. Pela primeira vez, a região tem um projeto planejado e executado por uma organização e funcionários cem por cento centro-americanos sobre sistemas públicos de videovigilância.
O projeto identificou sistemas de tecnologia de videovigilância em espaços públicos em nove cidades da Guatemala, Costa Rica e Panamá, por meio de solicitações de informação às autoridades desses países. As informações fornecidas pelas autoridades foram verificadas em sites de compras governamentais, meios de comunicação e registros de empresas. Essas informações coletadas foram divulgadas por meio de redes sociais e arquivos de pesquisa no site do projeto.
A metodologia permitiu constatar que apenas Costa Rica e Panamá mantêm leis de proteção de dados e direitos de imagem, enquanto a Guatemala não. Nenhum dos países investigados regulamentou a videovigilância pública ou privada por meio de leis nacionais, mas são geridas com manuais internos ou decretos municipais. Dentro da investigação, foi constatada a participação em licitações dos sistemas de empresas denunciadas internacionalmente por espionagem, a pouca participação cidadã no processo, entre outros detalhes.
A segunda parte do projeto foi conhecer a opinião dos beneficiários da implantação desses projetos de segurança pública. Mais de 25 entrevistas foram realizadas com líderes das nove cidades centro-americanas onde o projeto foi desenvolvido. Paralelamente, vizinhos e vizinhas se reuniram em grupos focais denominados “Diálogos Cidadãos”, onde foi possível compreender seu conhecimento sobre o sistema, sua opinião sobre privacidade e participação cidadã por projeto. Tanto as entrevistas quanto os diálogos dos cidadãos foram gravados para posterior transcrição, respeitando a privacidade dos participantes.
A partir desta fase, pudemos perceber o pouco conhecimento sobre os sistemas de videovigilância que os habitantes das nove cidades mantinham em geral. Decorrente da falta de participação cidadã e transparência governamental nesta questão, muito poucas pessoas afirmaram ter participado de alguma das fases dos sistemas em mecanismos de participação cidadã, enquanto outra grande maioria não conhecia com certeza a entidade que administra o sistema. Em termos de privacidade, encontramos diversos comentários, alguns dos entrevistados preferem sacrificar seu direito à privacidade em troca de segurança e paz da comunidade, enquanto outros expressaram preocupação com a intrusão do sistema.
A terceira parte do projeto se concentrou em gerar espaços de diálogo com autoridades e associações empresariais em busca de gerar conversas e sinergias que possibilitem ações em prol dos direitos humanos dos moradores.
Por fim, a equipe do projeto realizou um estudo em profundidade que permite compreender vários tópicos encontrados na região sobre sistemas de videovigilância: o uso de sistemas de videovigilância como ferramenta diplomática, reconhecimento facial, a falta de participação cidadã, entre outros aspectos da videovigilância na região.
Lições aprendidas
No decorrer do projeto, a equipe de pesquisa conseguiu obter aprendizados a serem aplicados em fases futuras do projeto e em outras investigações; em primeiro lugar, a importância de envolver as comunidades e beneficiários. A riqueza de informações da população permitiu que a equipe de pesquisa apresentasse os resultados do projeto, bem como questionasse as autoridades com base na participação cidadã e na opinião dos moradores. Por outro lado, essa participação dos cidadãos no desenvolvimento do estudo permitiu que o projeto se concentrasse em determinadas áreas de pesquisa, como a participação dos cidadãos na instalação geográfica de câmeras ou a transferência do crime para locais não vigiados por vídeo.
Por outro lado, a falta de vontade inicial das autoridades em conhecer o projeto, apesar de suas responsabilidades com o público, apenas demonstra a desconexão que certos setores do governo mantêm com aqueles que os elegeram. Essa falta de vontade termina em falta de participação cidadã, falta de prestação de contas, opacidade, pouca transparência e violação de direitos.
Conquistas
Até à data, foram realizadas reuniões com três municípios, um ministério responsável pela segurança e três associações empresariais. Nessas reuniões, foi enfatizada a necessidade de iniciar conversas multissetoriais com uma abordagem de direitos humanos. Como resultado, uma das instituições se manifestou a favor de uma futura reunião com a equipe jurídica da instituição pública e a equipe de investigação para analisar a discussão de um regulamento de videovigilância, enquanto um dos municípios da Costa Rica indicou que iniciará imediatamente reforma de seus manuais internos com abordagem humanista após reunião com a equipe de pesquisa.
Por outro lado, a entidade pública responsável por um dos sistemas de videovigilância no Panamá manifestou o desejo de conhecer mais sobre o tema em fases futuras do projeto, além de deixar em aberto a possibilidade de iniciar ações conjuntas para a regulamentação de vigilância por vídeo com foco em direitos humanos.
O futuro do projeto
O projeto, amplamente divulgado nas redes sociais, teve seu objetivo principal cumprido; conseguiu educar e conscientizar as populações-alvo sobre o uso de videovigilância. No entanto, a expansão da pesquisa e conscientização para outras cidades dos países investigados, ou incluindo novos países da América Central, abre uma infinidade de oportunidades. Este projeto lança a primeira pedra para a construção de ações multissetoriais voltadas à discussão de regulamentações novas e existentes, iniciando ações estratégicas de litigio e incidência legislativa que protejam os cidadãos, abertura e maior transparência dos sistemas e até mecanismos de auditoria cidadã neles.